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08out

Despertou no meio da noite, como de costume, com a boca seca.
Eram 03h17.
Tateou o criado-mudo na cabeceira à direita da cama, passou a mão pelo livro de centenas de páginas amareladas e capa de couro vinho que não conseguia terminar e encontrou o que buscava: água. Todos os dias deixava religiosamente um copo largo e comprido de água ao seu lado, como se precisasse disso para dormir com tranquilidade.
Sentou-se na cama, não enxergava um palmo a sua frente, mas não fazia questão de luz, aliás, só dormia se a escuridão fosse total. Deu três curtos goles, ainda estava gelada e foi o suficiente para matar sua sede.
Antes de deitar soltou os cabelos e fez um alto rabo de cavalo, gostava de dormir assim. Ajeitou e virou o lado do travesseiro, tem mania de fazer isso durante as noites, prefere que o lado que vai encostar a cabeça sempre esteja mais frio.
E deitou.
O relógio marcava 03h30, o que a fez lembrar-se das tantas histórias de terror que diziam que 3h33 da manhã é a hora em que os espíritos malignos se manifestam. “Bobagem” – pensou.
Alinhou o lençol com a colcha e a fina manta e cobriu-se até os ombros. Virou-se de frente para a parede, lado oposto ao que estava quando acordou.
Sabia que o sono não viria fácil. Nunca veio. Talvez nunca venha.
Mesmo acordada, continuava de olhos fechados. Estava cansada e tentava imaginar cenas para distrair a mente daquele momento insone.
Não demorou muito e percebeu que havia uma luz piscando em seu quarto. Abriu os olhos e pode ver uma luz bem leve aparecendo e desaparecendo na parede, refletindo no teto e por todo o ambiente.
“Mas de onde vem essa luz?” – perguntou-se.
Reparou na grande janela de madeira do outro lado do quarto e, entre as frestas, notou que a luz estava mais forte. Ela vinha de fora, só não sabia especificamente de onde nem como.
Mas precisava saber.
Moveu o trinco e correu bem devagar uma das partes da janela para não fazer barulho.
Na hora em que colocou a cabeça para fora, sentiu um golpe de vento gelado em sua direção, daqueles tão fortes que até assoviam.
Nenhuma luz piscava mais.
Ficou sem ar por alguns instantes e sentiu um arrepio na espinha. Correu a janela – dessa vez sem se preocupar com o barulho – e deitou-se rapidamente.
Antes que pudesse fechar os olhos, uma forte luz, agora, estava dentro de seu quarto.
Era azul. Azul bem claro. Claro e aterrorizantemente forte.
Apertou os olhos com força e balançou a cabeça, “Não pode ser real” – repetiu baixinho.
Não era apenas uma luz, parecia uma espécie de mancha azul, eram três delas.
Uma começou a se aproximar de sua cama. E um pedaço, como se fosse um braço, foi ao encontro de seu corpo.
Ela não sabia o que fazer. Mal acreditava que fosse verdade.
Seus olhos pretos agora estavam arregalados e opacos de medo.
Foi quando a mancha de luz azul encostou no meio de seu colo, que ela gritou desesperadamente, mas sua voz não saiu. Nada, estava muda.
O que parecia um braço entrou em seu peito numa velocidade inigualável. A mancha parecia procurar por algo dentro do corpo dela e depois de uma bruta estocada em seu coração, a garota se contorceu preferindo a morte comparada aquilo.
Sentiu seu órgão sendo retorcido, seus os olhos estavam virados e já não havia mais sinal de que fosse tentar gritar novamente.
E então a mancha encontrou o que queria e num golpe puxou seu braço para fora. Ela pensou que todas as suas tripas tinham ido junto, mas se enganou.
Com  os olhos mais acostumados com a claridade, viu com perfeição que a mancha tinha mesmo uma forma, um braço e uma mão com quatro longos dedos. Dedos estes seguravam uma pequena chave de ferro envelhecido cheia de arabescos, que por algum motivo estava em seu coração e fora arrancada de lá.
O que a pequena chave poderia abrir, talvez seja para sempre um grande mistério. Assim como não há como saber porque uma das manchas segurava uma ampulheta de madeira escura e areia brilhante feito ouro.
As manchas se uniram e o clarão dentro do quarto ficou ainda mais perturbador, até que se apagou por completo. Em silêncio.

07h00, o despertador tocou três vezes.

Ana levantou-se num pulo, suada e assustada.
Em meio àquela sensação horrível, não conseguia lembrar direito do pesadelo que teve, mas ia ligar para o trabalho e dizer que precisaria faltar hoje, pois não se sentia muito bem. Estava com uma estranha e muito forte dor no peito.

Adriana Cecchi

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11jul

Acordei achando que era verdade
Alucinei
Tudo aquilo que vivera no meu sonho
Eu havia transformado em realidade

Fantasiada fantasia
Fantasia fantasiada
Tanto faz

A minha própria dimensão
Não a terceira nem a quarta, a minha
Era o que eu fazia

Esqueci meus óculos durante o sono
A vista embaçou
Mas o irreal ainda parecia normal

Levantei num pulo
Caí da cama
Bati a cabeça
Molhei o colchão

Adriana Cecchi

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