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20maio

Coluna de autores convidados, texto por Pedro Catarino

Como é de costume e corriqueiro, meu fone de ouvido parou de funcionar. Ela me olhou e disse: “Vamos comprar um fone bem legal para você!”. Eu concordei. O tempo passou e, ainda que sobre as insistências dela, procrastinei.
Com pressa, numa tarde de sábado, entrei numa loja qualquer e pedi o primeiro fone que vi pela frente. Alguns trocados e “problema resolvido”. “Esse fone não vai prestar…” ela disse. Assim que o liguei percebi que o lado esquerdo pipocava e o direito não tinha um som limpo.
“Pedro, eu pago, vamos comprar um BOM fone” ela me disse. Como de costume, despreocupado, respondi “Imagina, esse aqui ainda tá funcionando”.
“Meu amor, precisamos conversar” ela me disse. Como de costume, eu respondi “A gente se ama, vai ficar tudo bem!”. O tempo passou e os problemas ficaram, “Não tá tudo bem, senta aqui, vamos resolver…” ela pediu. “Preta, eu te amo. Vai tudo passar, é só a gente ficar junto…”.
O tempo passou, meu fone quebrou, e eu não ouço música já tem um bom tempo. O tempo passou, ela foi embora, e eu não ouço meu coração já tem um bom tempo. Deveria ter aceitado o fone, deveria ter aceitado a conversa. Deveria.

Pedro Catarino

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09nov

Coluna de autores convidados, texto por Marcela Oka

E aí você se pega com aquele sentimento… Saudade. E uma saudade inesperada, porque você nem tem tanta certeza do que você tem saudade.
Porque até então você tinha um padrão estabelecido que te deixava metodicamente confortável. Um padrão onde o que tinha acabado, ficava pra trás. Sem mágoas ou raiva, porque a data de validade desses sentimentos já tinha expirado. Então simplesmente ficava pra trás, guardado numa caixa dentro do depósito, como aquelas coisas que a gente não tem onde colocar quando muda pra casa nova, sabe?
A caixa estava no depósito, e eu estava de mudança, então fui até lá pra carregar as caixas pro carro. Deixo uma delas cair e então escapa uma lembrança, daquelas que não poderia ter escapado. Eu abaixo, tento colocar de volta na caixa, mas tarde demais: ela já tava impregnada em mim. Como eu me deixei fugir do meu próprio padrão? Você, você me fez fugir. Você apareceu outro dia querendo me entregar uma outra lembrança que também impregnou em você, mas você não podia lidar com ela, então você veio e devolveu pra mim. Eu guardei na caixa, porque afinal o que acaba fica pra trás…
Mas fato é que eu não me mudei. Fato é que eu levei a caixa pra cima e abri. Fato é que você me deixou com o que você não soube lidar e continua sem querer saber. ‘Melhor deixar lá, no depósito’, você diz. Eu já tomei banho no chuveiro, no mar, na cachoeira, na cândida, mas não sai. Não volta mais pra caixa.
Que você conseguiu arrancar de você e enfiar de volta na caixa, só pra não precisar lembrar; que você consegue não falar sobre isso e fingir que ‘estamos indo bem’, eu aceitei. Só queria a receita pra conseguir também. Você foi e acabou esquecendo de me passar.

Marcela Oka

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