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09dez

Sabe, sou do tipo de valoriza e coleciona canetas de ponta fina. Como costumo dizer, escrevo pra me libertar, porque terapia custa caro. E muito!

Escrever sempre foi a minha válvula de escape. Pratico desde que ganhei meu primeiro bloquinho, evoluindo para os diários adolescentes, rabiscando folhas soltas e, cá estou agora, digitando com a cara enfiada na tela do notebook.

Nas linhas consigo mostrar a maior parte do que eu sou. Escrevo, logo não falo. Eu conto a minha história, revelo referências, a escrita é uma pequena extensão do meu próprio corpo, poderia chamar de “terceiro braço”, sem veia nem sangue, sem músculo ou nervo, mas que pulsa através do coração e da mente, fazendo a caneta sangrar em cima do papel.

Dias de dúvidas, tardes ansiosas e noites em claro. A escolha das palavras, a pontuação, a conjugação do verbo, o objeto definido, a oração muitas vezes sem sujeito e a concordância – e por que não a falta dela? – em tempos, é a melhor tradução de meus sentimentos e ideias, construídos na mente e sentidos na pele.

Escrever para tudo, para nada. Escrever para todos, para ninguém. Escrever para mim, para você. Escrever simplesmente porque é o melhor a fazer. Escrever para que as palavras saiam do corpo e se encaixem em outro lugar. Escrever amores e dores, dando adjetivos às alegrias ou conjugando a medida de sal derramado em cada lágrima. Escrever para entender e também exorcizar.

Tantos tempos verbais com tantos tipos de substantivos e eu nunca parei de escrever. Nunca. Talvez algumas pausas, recentes pausas, mas com palavras girando na cabeça feito personagem de desenho animado que acabou de levar uma pancada.

Escreva.

Um incentivo que também serve para mim toda vez que pensar sobre as tais faltas de inspiração e tempo. Escreva sobre o que acontece aí dentro, sobre o que muda por fora ou, então, sobre como tudo é sempre tão igual. Como disse Hemingway: “escreva bêbado, edite sóbrio”.

Mesmo que seja dolorido. Mesmo que não leve a lugar algum. Continue.

Escrever, apesar de.

Adriana Cecchi

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04nov

Mas me diga, seu moço
Há de se lembrar
Que hoje temos um encontro
E como prometido
Virá me buscar

Volta aqui, seu moço
Não adianta assim se apressar
Que o mundo é uma correria
Daqui a pouco é meia noite
De repente tudo sai do lugar

O que há de novo, seu moço
Que está com essa cara de quem vive a sonhar
São tantos contratempos
Dúvidas, falácias e empecilhos
Que não poderá mais chegar?

Oh sim, eu entendo, seu moço
Tudo bem, com o tempo vai melhorar
Sei o que é isso que assola e te vira do avesso
Mas, uma certeza, não importa o que aconteça
Assim como a onda no mar, tudo vai passar.

Adriana Cecchi

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09set

Deitei, eram 22h10. Peguei o livro no criado-mudo, o marcador não estava nem perto da metade. Abro, página 81:

“Florence entrou na sala de jantar:
– Boa noite – disse (…)”

Boa noite.
As letras começam a se distanciar, as palavras perdem o sentido.
Leio a frase, mas que frase? Não existe mais pontuação.
Preciso cumprir toda a lista de tarefas do trabalho. Metas. Prazos.
Hum, que vontade de comer aquele mesmo doce que comi ontem no almoço.
Não posso esquecer de comprar o presente de aniversário da Fulana, é semana que vem.
Que merda, esqueci de dar parabéns pro Ciclano ontem, não acredito.
Preciso arrumar meu armário. O quarto está uma bagunça.
Será que tem comida no pote pra gata comer?
Acho que vou assistir aquele último filme de terror que baixei.
Nossa, ainda não terminei aquele quebra-cabeça gigante.
Que dia é hoje mesmo?
Tenho que pagar a fatura do cartão de crédito.
O tempo tá passando rápido demais.
Paro pra pensar nos últimos acontecimentos.
Lembrei do dia em que te conheci.
As falas, os risos, as músicas. Os filmes, as pessoas, os dias.
As viagens, os passos, as estradas. Os abraços, as mãos, os beijos.
Lembrei de tudo.
Por que isso agora?
A vida em um filme que passa inteirinho na minha mente.
Fecho os olhos.
Balanço a cabeça como se isso embaralhasse as lembranças.
É, eu preciso dormir.
Droga de sono que não vem.
Vou comer alguma coisa, um chocolate quente é uma boa.
Depois volto, leio mais um pouco e…

23h55
Olho no canto do livro, página 81.

Adriana Cecchi

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