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13nov

– Por que você tem um colchão tão grande se sua cama está sempre tão vazia?

A pergunta caiu num baque em sua cabeça.
Ela parou para pensar em tudo que fazia.
Seria a cama uma metáfora de sua vida?
Sempre tão vazia e tão gelada.
Viu que não se importava.
Preferia assim.
Em meio a um furacão de memórias, lembrou-se dos dias em pranto.
Das épocas sem paz.
Das noites mal dormidas, das madrugadas em claro.
Dos apertos no peito e das fisgadas que pareciam fazer seu coração parar de bater.
Da imensa saudade.
Horas eternas, minutos soluçando.
Dia após dia.
Pensou nas milhares de vezes que acordou com os olhos inchados e nas tantas que desejou nunca mais poder levantar da cama.
Cada passo que deu, cada lágrima que enxugou, cada sorriso que desperdiçou, cada abraço que negou.
E o que um dia pareceu ser uma batalha interminável, terminou.
Viveu, aprendeu, passou .

Depois de longos minutos com a cabeça longe, olhou fixamente para aqueles belos olhos que a acompanhavam, e respondeu:

– É que eu me mexo muito durante a noite, sabe, prefiro dormir sozinha.

Ele engoliu seco e afastou as cobertas. Levantou, recolheu suas roupas que estavam no chão, saiu e fechou a porta, mas sem bater.
E nunca mais voltou.

Adriana Cecchi

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24out

Neil Young – Heart of Gold

Vida Curta

Essa vida é curta
Curta de tempo, curta de distância
Bem curta
Curta, curtinha, encurtada
Passa num sopro
Meio fio
Para que eu vou descer do carro
Quero ir a pé
Andar na chuva
Molhar os sapatos
Sentir o vento penetrar na minha alma
Procurar por corações de ouro como o Neil Young canta
E bater com a cara no muro quando pensar que encontrei algum
A incerteza é que me move, que me tira do lugar
Incógnita, inconstância, indiferença, incoerência
Não me espera pra jantar
Eu posso demorar
Aproveitar o tempo que ainda me resta
Porque sabe
Essa vida é muito curta

Adriana Cecchi

Fonte Imagem

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15out

Ela está lá para todos, mas só usa quem quiser.
Uma realidade paralela.
O mundo para de girar, a cabeça fica distante.
Passa por ruas, avenidas, casas, grandes jardins, prédios, comércios, carros, motos, praças, pontes, muros e concretos. Passa por casais de mãos dadas, crianças de uniforme, moradores de rua, homens de gravata e mulheres de vestido. Passa por semáforo, lixo, gente e bicho.
Quadro em movimento e tempo congelado, paradoxalmente no mesmo vidro.
Tudo fica em suspenso, ao menos por um momento.
Agonias, saudades, angústias, dores, aflições, dúvidas, amores não correspondidos, crises existenciais, arrependimentos, decisões importantes, problemas familiares, urgências, mágoas, preocupações com o trabalho, desejos, julgamentos, medos e anseios.
Qualquer coisa pode ser resolvida ou amenizada enquanto se olha através de uma janela de ônibus.
Os sentimentos passam na mesma velocidade que a paisagem de fora.
As lembranças se desfazem como poeira no asfalto.
A raiva é abafada pelo som do motor.
A impressão de que tudo volta pro lugar a cada esquina, a cada curva, a cada parada brusca.
Janela conselheira, divã de pobre, confessionário público.
A preço fixo, cobra pouco e diz muito, por isso sempre está cheia de clientes.

Adriana Cecchi

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