Sob o edredom de cor azul anil
Um amor e um revólver
Bala que enrosca na garganta
E arde
Descarte
Sob algum signo inconstante que te enlaça
Agora vejo meu lado mau sedento
De mim
De você
Mate
Para ler ouvindo I Started a Joke
Às vezes sinto falta e não sei ao certo do quê. É tipo uma saudade daquilo que nunca se teve, uma lembrança do mistério, uma ausência do desconhecido.
“Que papo de gente louca”, você diz e eu até te entendo.
Não sei bem o que acontece comigo. Não sei bem o que acontece com o mundo.
Comecei a pensar nisso outro dia quando meu café estava com gosto de cigarro. “Mas você não fuma.” Eu não sou fumante.
Acho que a gente só percebe a vida quando algo muda de repente. Assim, de sopetão. Algo que te lembre que está vivo. Ou menos morto. Tipo quando o café fica com gosto de cigarro… O tranco de quando você bate o carro. Tropeça na rua e por pouco não acaba com a cabeça embaixo de uma roda de caminhão. Um vizinho morre infartado na madrugada. Tipo quando você descobre um câncer.
Dizer pra vocês que não entendi nada quando o médico leu o resultado dos exames. Médicos em geral têm um problema: eles não sabem se comunicar. Eu fiz caligrafia na escola, a letra deles é uma porcaria. Se pudesse, recomendaria que todos digitassem e imprimissem guias, atestados e todas as outras coisas que eles gostam de escrever pra gente. Mas o fato é que eles escrevem mal e falam difícil. Tenho pra mim que não querem que a ficha do paciente caia ali na frente deles, querem se livrar do peso da má notícia. Acontece. Eu também não iria querer ninguém chorando na minha frente, não.
Eu nunca tive medo da morte.
Até perceber que estou deixando muita coisa passar.
E eu vou morrer. Eu vou morrer logo.
Não precisei de um câncer pra lembrar disso.
Estamos vivos pra morrer.
Já vou logo dizendo que você vai ter que perdoar esse meio jeito duro e julgado por muitos como pessimista, mas depois de tantas pancadas a gente tem que aprender a não esperar muito de nada, sabe?
E mesmo com o coração duro feito rocha comecei a sentir falta do que não tinha.
Nunca tive. Nunca terei?
É triste, né? É triste como tudo que é triste deve ser. A gente gosta de coisa triste porque é sempre uma história pra contar, um fato pra lamentar, uma música pra ouvir, um alguém pra lembrar, um texto pra escrever. A gente se força à tristeza. Sofrer inspira, eles dizem.
“Mas você não pode estar morrendo e falando essas coisas todas.”
Eu posso, ah, eu posso sim, meu camarada. Abraça o ceifeiro uma vez aí nessa vida que você vai me entender. Vai botar os pés no chão, os sonhos vão acabar e vai perceber que a única coisa concreta são suas próprias escolhas. O que deixou, o que aprendeu, o que doou e o que levou.
Todo mundo sabe: você pode ter tudo e não ter nada ao mesmo tempo. A felicidade é superestimada, o dinheiro é ingrato e o amor é bandido. Você tem que aprender a controlar isso tudo e controlar a sua mente também.
Das lembranças que nunca tive, eu as procuro agora no tempo que me resta, mas sem olhar no relógio. Afinal, só ficamos pra atrás quando perseguimos o destino. Eu não quero perder nem um minuto olhando pra três ponteiros de merda.
Você também não deveria.