“a Náusea sou eu”
O acaso, o absurdo e o vazio. A Náusea é o primeiro romance de Jean-Paul Sartre, considerado pela crítica e pelo próprio autor o mais perfeito de sua sempre inquieta e inovadora carreira.
Publicado pela primeira vez em 1938, A Náusea foi um marco na ficção existencialista e é até hoje um dos textos mais famosos da literatura francesa do século XX.
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TRECHOS E FRASES DE A NÁUSEA
“Na parede há um buraco branco, o espelho. É uma armadilha. Sei que vou cair nela. Aí está. A coisa cinzenta acaba de aparecer no espelho. Aproximo-me e olho para ela: já não posso mais ir. É um reflexo de meu rosto. Muitas vezes, nesses dias perdidos, fico a contemplá-lo. Não entendo nada desse rosto. Os dos outros têm um sentido. O meu, não.” p.32
“Começo a me reanimar, a me sentir feliz. Ainda não é nada de extraordinário, é uma pequena felicidade de Náusea: ela se espalha no fundo da poça viscosa, no fundo de nosso tempo – o tempo dos suspensórios cor de malva e dos bancos quebrados -, é feita de instantes amplos e frouxos, que se alastram pelas bordas como uma mancha de azeite. Mal nasceu e já parece velha, tenho a impressão de conhecê-la há vinte anos.” p.37
“O que acaba de ocorrer é que a Náusea desapareceu. Quando a voz se elevou no silêncio, senti meu corpo se enrijecer e a Náusea se dissipou.” p.38
“Vejo o futuro. Está ali, pousado na rua, um nadinha mais pálido do que o presente. Que necessidade tem de se realizar? Que vantagem lhe trará isso?… Já me perdi: será que vejo seus gestos ou os prevejo? Já não distingo o presente do futuro e no entanto isso tem uma duração, realiza-se pouco a pouco.” p.47
“É isso o tempo, o tempo inteiramente nu, que vem lentamente à existência, que se faz esperar e, quando chega, nos sentimos enfastiados porque percebemos que já estava ali havia muito tempo.” p.47
“Mas já não vejo nada mais: por mais que vasculhe meu passado, só extraio dele fragmentos de imagens e não sei muito bem o que representam, nem se são recordações ou ficções.” p.49
“(…) construo sonhos a partir de palavras, isso é tudo.” p.49
“Nunca como hoje tive o sentimento tão forte de ser alguém sem dimensões secretas, limitado a meu corpo, aos pensamentos superficiais que sobem dele como bolhas. Construo minhas lembranças com meu presente. Sou repelido para o presente, abandonado nele. Tento em vão ir ter com o passado: não posso fugir de mim mesmo.” p.50
“Alguma coisa começa para terminar: a aventura não se deixa prolongar; só tem sentido através de sua morte. Para essa morte, que será talvez também a minha, sou arrastado inexoravelmente. Cada instante só surge para trazer os que se lhe seguem. Apego-me a cada instante com todo o meu coração: sei que é único; insubstituível – e no entanto não faria um gesto para impedi-lo de se aniquilar.” p.54
“Viver é isso. Mas quando se narra a vida, tudo muda; simplesmente é uma mudança que ninguém nota: a prova é que se fala de histórias verdadeiras. Como se fosse possível haver histórias verdadeiras; os acontecimentos ocorrem num sentido e nós os narramos em sentido inverso.” p.56
“Quis que os momentos de minha vida tivessem uma sequência e uma ordem como os de uma vida que recordamos. O mesmo, ou quase, que tentar capturar o tempo.” p.57
“O domingo que termina deixou-lhes um gosto de cinzas e seu pensamento se volta para a segunda-feira. Mas para mim não existem segunda-feira nem domingo: existem dias que se atropelam desordenadamente e, além disso, lampejos como esse.” p.71
“Não preciso fazer frases. Escrevo para escrever certas circunstâncias. Há que ter cuidado com a literatura. É preciso escrever ao correr da pena; sem escolher as palavras.” p.73
“Eu sentia que o êxito do que se empreendia em minhas mãos: o instante tinha um sentido obscuro que era preciso elucidar e completar: determinados gestos tinham que ser feitos, determinadas palavras pronunciadas: o peso de minha responsabilidade me esmagava (…)”. p.80
“Só possuo meu corpo; um homem inteiramente sozinho, só com seu corpo, não pode reter as lembranças; elas passam através dele. Não deveria me queixar: tudo o que quis foi ser livre.” p.83
“Procurava ao meu redor um apoio sólido, uma defesa contra os meus pensamentos.” p.93
“Repetia para mim mesmo com angústia: aonde ir? Aonde ir? Tudo pode acontecer. De quando em quando, com o coração batendo, dava meia-volta bruscamente: o que estava acontecendo atrás de mim? Talvez aquilo começasse às minhas costas e quando eu me virasse de repente seria tarde demais.” p.96
“Para mim o passado era apenas uma aposentadoria: era uma outra maneira de existir, um estado de ferias e de inação; cada acontecimento, quando seu papel findava, se arrumava sensatamente, por si próprio, numa caixa e se tornava acontecimento honorário: é tão dificil imaginar o nada! Agora eu sabia: as coisas sao inteiramente o que parecem – e por trás delas… não existe nada.” p.115
“(…) se pelo menos pudesse parar de pensar, já seria melhor. Os pensamentos são o que há de mais insípido. Mas insípido ainda do que a carne. Prolongam-se interminavelmente e deixam um gosto esquisito. E depois, dentro dos pensamentos, há as palavras, as palavras inacabadas, os esboços de frases que retornam constantemente.” p.118
“Meu pensamento sou eu: por que não posso parar. Existo porque penso… e não posso me impedir de pensar. Nesse exato momento – é terrível – se existo é porque tenho horror a existir. Sou eu, sou eu que me extraio do nada a que aspiro: o ódio, a repugnância de existir são outras tantas maneiras de me fazer existir, de me embrenhar na existência. Os pensamentos nascem por trás de mim como uma vertigem, sinto-os nascer atrás de minha cabeça… Se eu ceder, virão para a frente, aqui entre meus olhos – e sempre cedo, o pensamento cresce, cresce e fica imenso me enchendo por inteiro e renovando minha existência.” p.119
“Cada uma delas tem sua pequena obstinação pessoal que as impede de perceber que existem; não há um só que não se julgue indispensável a alguém ou alguma coisa.” p.131
“- É porque estou pensando – digo rindo – que aqui estamos, todos nós, comendo e bebendo, para conservar nossa preciosa existência, e que não há nada, nada, nenhuma razão para existir.” p.132
“Gostaria tanto de me abandonar, de esquecer de mim mesmo, de dormir. Mas nao posso, sufoco: a existência penetra em mim por todos os lados, pelos olhos, pelo nariz, pela boca…” p.147
“Não posso dizer me sinta aliviado nem contente; ao contrário, me sinto esmagado.” p.147
“A Náusea não me abandonou e não creio que me abandone tão cedo; mas já não estou submetido a ela, já não se trata de uma doença, nem de um acesso passageiro: a Náusea sou eu.” p.147
“(…) eu era demais para a eternidade.” p.149
“Ora, nenhum ser necessário pode explicar a existência: a contingência não é uma ilusão, uma aparência que se pode dissipar; é o absoluto, por conseguinte a gratuidade perfeita. Tudo é gratuito: esse jardim, essa cidade e eu próprio.” p.151
“A existência não é algo que se deixe conceber de longe: tem que nos invadir bruscamente, te que se deter sobre nós, pesar intensamente sobre nosso coração como um grande anima imovel – do contrario nao ha absolutamente nada mais.” p.152
“Todo ente nasce sem razão, se prolonga por fraqueza e morre por acaso. (…) a existência é uma plenitude que o homem não pode abandonar.” p.154
“Estou sozinho nessa rua branca guarnecida de jardins. Sozinho e livre. Mas essa liberdade se assemelha um pouco à morte.” p.178
“Agora, quando digo “eu”, isso me parece oco. Já não consigo muito bem me sentir, de tal modo estou esquecido. Tudo o que resta de real em mim é existência que se sente existir.” p.192
“A verdade é que não posso soltar minha caneta: acho que vou ter a Náusea e tenho a impressão de retardá-la enquanto escrevo. Então escrevo o que me passa pela cabeça.” p.195
“Aliás, só quis isso; eis a chave de minha vida: no fundo de todas essas tentativas que parecem desvinculadas, encontro o mesmo desejo: expulsar a existência para fora de mim (…).” p.197
“Foi naquele dia, naquela hora, que tudo começou.” p.200
TÍTULO: A Náusea
SINOPSE: O protagonista desta história é o intelectual pequeno-burguês Antoine Roquentin, símbolo de uma geração que descobre, horrorizada, a ausência de sentido da vida. Em um diário, o personagem passa, então, a catalogar impiedosamente todos os seus sentimentos, que culminam em uma sensação penetrante e avassaladora: a náusea.
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