Categoria: Desgraçamento Mental ||| por Adriana Cecchi
Falar de máquina de escrever nos dias de hoje é assunto pra lembrar de trambolho antigo ou algo que não serve mais pra nada. Os que nunca viram uma nem imaginam o quanto era difícil usá-la para escrever um simples texto em uma folha.
Eu sempre tive uma paixonite por elas, logo que os computadores começaram a se popularizar, eu dizia que não queria pc nenhum, eu queria uma máquina de escrever. Feliz, tinham duas em casa e eu me divertia com elas.
Mas agora o que a Keira Rathbone faz com elas é sacanagem! A artista londrina reproduz paisagens, retratos, lugares, desenhos usando os caracteres através da máquina.
Keira comprou sua primeira máquina de escrever para, realmente, escrever, mas depois de um tempo começou a brincar de desenhar e criar imagens.
— Você podia ter dito que ligou só para ouvir a minha voz.
— Mas não foi…
— Eu sei, eu disse po-di-a!
— Hum, e se eu dissesse mesmo?
— O que tem?
— O que você faria?
— Não sei. Não sei, ué.
— Não?
— Na próxima você diz, quem sabe eu te conto.
Adriana Cecchi
Sozinha, sentada num daqueles bancos mais altos dos ônibus, de cabelos soltos caídos no rosto e vestida com um enorme casaco preto. A garota realmente ficava muito bem de preto.
Uma aparência serena; serena, mas triste. Como se estivesse triste por dentro e não quisesse revelar a ninguém. Impossível. Com aquele olhar fundo, tão distante e com brilho de água seria um milagre disfarçar qualquer coisa.
Nos fones ela ouvia uma bela voz rouca, daquelas que combinam alguns anos de cigarros, com outros de talento e afinação.
A música era expressivamente melancólica, camuflada pelo som da guitarra rasgada que aparecia de vez em nunca. Nada que abalasse a garota que a ouvia. Pelo contrário, ela gostava. A voz cantava tudo aquilo que ela queria esquecer, tudo aquilo que ela queria apagar da memória, mas, por algum motivo, ela gostava.
Os olhos se perdiam pela paisagem cinza, passavam pelas poucas árvores, acompanhavam as calçadas, analisavam despretensiosamente as pessoas que caminhavam e as outras que corriam para não serem atropeladas. Os mesmos olhos se voltaram algumas vezes para o celular como se estivessem esperando por algo, algo que talvez não existisse mais.
Um breve suspiro e recostou a cabeça na janela. Era difícil ficar naquela posição por muito tempo, a cabeça batia no vidro, culpa do balanço do ônibus, mas mesmo assim ela não se importava. Nem se mexia. Talvez fosse melhor, era um bom preço para ter o vento gelado cortando seu rosto.
Trecho de trânsito, tudo parou.
Os olhos caíram, agora estavam fixos no carro ao lado. Do lado de dentro um senhor de cabelos brancos e óculos de grau limpava incessantemente o painel de seu velho carro. Limpava como se nada mais existisse naquele momento. Limpava como se fosse só ele e seu carro azul escuro. Era o seu painel limpo ou nada.
O ônibus acelerou e ela se deu conta que a voz rouca ainda cantava, ainda estava com ela, só com ela, não havia lhe abandonado em nenhum momento. E, desta vez, a voz cantou como se estivesse falando com ela, prevendo o que aconteceria e contando o que já ocorreu. Claramente se emocionou e, entre lágrimas, julgou não saber o que fazer dali em diante.
O primeiro passo era o mais fácil: dar o sinal, pois o seu ponto era o próximo. E depois?
Adriana Cecchi