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23dez

Leia os contos aos poucos, como se cada um deles fosse uma confissão.” e é com esta sugestão que a editora Mundaréu encerra o texto de apresentação de Não aceite caramelos de estranhos, livro de contos da chilena Andrea Jeftanovic.

A publicação faz parte da coleção ¡Nosotros!, dedicada exclusivamente à literatura latina com a intenção de refletir sobre seu povo, sua cultura, sua realidade social e política através das obras. Jeftanovic é uma das vozes potentes da literatura latino-americana contemporânea e faz uso notável de diferentes pontos de vista em situações extremas por aqui. 

Nos onze contos que compõem o livro, Andrea Jeftanovic desconstrói sensos e noções morais, evidenciando todas as vísceras e contradições das relações familiares. Questões que se ramificam e ganham novos caminhos — a infância, a maternidade, a perversão, o trauma, o sexo, a solidão, o medo — atravessados pela falta de pudor e pelo amor.

Incesto, abuso, trauma, solidão e morte surgem entre as páginas de forma crua e direta e, por isso, incomoda. Cruza e brinca com nossos limites éticos e provoca sensações que não queremos sentir. Ainda mais quando ganha forma pelo amar, pelo afeto, desejo, prazer e ternura.

A prosa de Jeftanovic é voraz, trágica e lírica, sua naturalidade encanta e constrange. Sem meio termos, oscila entre repulsa e fascínio, e perdura o desconfortável. O infamiliar*

*No texto da quarta capa, é citado unheimlich (alemão; tradução literal: repugnante), conceito desenvolvido por Freud, a partir do conto O homem da areia (E. T. A. Hoffmann), que transmite a ideia de quando “estamos diante de algo profundamente perturbador, todavia estranhamente familiar.” Em português, o termo corresponde ao “inquietante”, “estranho familiar” e “infamiliar”, como na nova edição do livro publicado pela editora Autêntica: O infamiliar [Das Unheimliche] – Edição comemorativa bilíngue (1919-2019).  

A língua dentro da boca podia preservar o sabor que está a ponto de se extinguir. Esfregava os nós dos dedos até arrancar um pedaço de pele, que ficava girando feito uma biruta; a verdade é que eu não sangrava pelo lugar onde habia me ferido.

Primogênito; Andrea Jeftanovic

A todo momento, temos a impressão de que tudo que nos é narrado deveria permanecer oculto, mas vem à tona. Como se fosse algo proibido e no exato instante em que as palavras nos são dadas, deixamos de ser leitores e nos tornamos cúmplices

A falsa inocência do título da coletânea é desmontada no primeiro conto e nos revela, logo de início, a profundidade entre temores e perturbações que leremos a seguir. 

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