28jun
Tarkovsky mexeu comigo. Ponto.
Nosso primeiro encontro foi através de “Stalker” numa ensolarada tarde de domingo. Um ótimo dia para sair e admirar o azul do céu, mas lá estava eu com três links de torrent e alguns arquivos de legendas desconfiguradas com o notebook no colo pronta pra ele, pronta pro Stalker.
Cheguei com algum tempo de atraso, 33 anos precisamente, mas ele não pareceu se importar, talvez porque soubesse que mexeria comigo, de uma forma ou de outra.
O filme é lento, sim, mas não é cansativo. Não é um filme fácil porque é justamente sua simplicidade que nos atinge. Mais do que tentar entender todo o simbolismo e a hermenêutica de Tarkovsky, o que impressiona é a construção de imagens tão poderosas, as longas tomadas e os movimentos de câmera diferenciados dão a impressão que estamos vendo um sonho.
Stalker, Escritor e Professor são os três personagens centrais e representam, respectivamente: a fé, a arte e a ciência. O Stalker é o responsável por levar as pessoas até um local proibido, a Zona, uma vez lá dentro, tudo parece misterioso, enigmático e, além disso, há o chamado Quarto, que aparentemente realiza o desejo mais profundo daquele que merecer tal feito.
“O que foi isto? A queda de um meteorito? Uma visita de seres do abismo cósmico? Fosse como fosse, no nosso pequeno país surgiu o milagre dos milagres, a Zona. Enviamos tropas para lá. Não voltaram. Cercamos a Zona com cordões policiais e fizemos bem… Aliás, não sei.” – Da entrevista do Professor Walles, Prêmio Nobel.
O Escritor e o Professor contratam o Stalker para que este os faça chegar à Zona. E parece que nesse meio tempo eu fui junto com eles até lá. Mas o que é a Zona? Por que é proibida? O que levaria as pessoas a se arriscarem lá dentro? Autoconhecimento, aventura, desejos?
Os diálogos entre os personagens parecem até sem propósito, mas estão cheios de significados e discussões filosóficas. A esperança pela felicidade vs. o desespero pela falta de um sentido de existir. Questões sobre arte, música, fé e altruísmo numa extensa reflexão sobre o homem e sua relação com o mundo.
Escritor: “Como posso saber o nome daquilo que quero? Como posso saber que, no fundo, não quero o que quero? Ou que, digamos, não quero de fato o que não quero? São coisas efêmeras, basta dar-lhes um nome, e perdem o sentido. Este derrama-se como uma água viva ao Sol. A minha consciência quer a vitória do vegetarianismo por todo o mundo, mas o meu subconsciente morre por um bife suculento. E eu? O que eu quero? Dominar o mundo, no mínimo.”
Afinal, o que estamos fazendo aqui? O que queremos? Até onde iremos? Por quê?
Depois deste encontro, eu me vi em um relacionamento sério com Tarkovsky. Sim, logo no primeiro encontro de duas horinhas. Fui dessas.
Escritor: “Ora, o homem escreve porque sofre, porque duvida de si. Tem que provar a ele próprio e a quem o rodeia que tem algum valor. E se souber, de antemão, que sou um gênio? Para que então escrever? Qual o sentido?”
E o trecho acima me deixou num bloqueio criativo extremo, o que explica toda minha ausência por aqui. Por isso que o post está cheio de citações, porque elas falam por si e o suficiente por mim.
A última fala do filme é da esposa de Stalker e é com ela que encerro este texto: “(…) é melhor uma felicidade amarga, do que uma vida apagada, triste.”
Quer dizer…
Tentar expressar e explicar o filme apenas com palavras é bem complicado, é preciso senti-lo acima de tudo. Espero que vocês assistam e, se já assistiram, deixem suas opiniões por aqui também.
Arte. Pura arte.