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19dez

Às vezes, não há nenhum aviso. As coisas acontecem em segundos.
Tudo muda. Você está vivo. Você está morto. E as coisas continuam.

Publicado nos Estados Unidos quatro anos após a morte de Bukowski, em 1998, sob o título original de Captain is out to lunch and the sailors have taken the ship, esse livro é o último canto desesperado do “velho safado”. O livro é composto por trechos de seu diário de agosto de 1991 até fevereiro de 1993, selecionados por ele próprio dias antes de morrer, em 09 de março de 1994.

O hábito de apostar em corridas de cavalos, encontros com marginais e desilusões próprias estão presentes em O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio, mas a espinha dorsal deste livro está no que talvez Bukowski sabia fazer de melhor: cruas reflexões filosóficas sobre a vida, sobre a natureza e miséria humanas.

Com ilustrações do desenhista norte-americano Robert Crumb, Buk coloca-se de forma transparente para o leitor, nu, como de hábito e mostra que não se enquadrou e jamais se enquadraria no “sonho americano” e que não se resignou em nenhum momento.

Separei alguns trechos que mais me chamaram a atenção durante a leitura para compartilhar aqui no blog :)

TRECHOS E FRASES DE
O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

“Mas toda a minha vida tem sido uma questão de lutar por uma simples hora para fazer o que eu quero fazer. Tem sempre alguma coisa atrapalhando a minha chegada a mim mesmo.” (p.12)

“A maioria das pessoas não está pronta para a morte, a sua ou a dos outros. Ela as choca, as apavora. É como uma grade surpresa. Diabos, não deveria ser nunca.” (p.14)

“Levo a morte em meu bolso esquerdo. Às vezes, tiro-a do bolso e falo com ela: “Oi, gata, como vai? Quando virá me buscar? Vou estar pronto.” (p.14)

“Raramente encontro uma pessoa rara ou interessante. É mais que perturbador, é um choque constante. Está me tornando um maldito mal-humorado. Qualquer um pode ser um maldito mal-humorado, e a maioria é. Socorro!” (p.24)

“Não sou boa companhia, não gosto de conversar. Não quero trocar ideias – ou almas. Sou apenas um bloco de pedra para mim mesmo. Quero ficar dentro do bloco, sem ser perturbado.” (p.25)

“Se um homem quer realmente escrever, ele o fará. A rejeição e o ridículo apenas lhe darão mais força. E quando mais for reprimido, mais forte ele se torna, como uma massa de água forçando um dique.” (p.29)

“Mas acho que foi a forma com que me arrastei pela merda que fez a diferença.” (p.49)

“Acho que vou descer e sentar com minha mulher, ver um pouco da estúpida TV. Estou sempre no hipódromo ou nesta máquina. Talvez ela goste disso. Espero. Bem, aqui vou eu. Sou um cara legal, sabe? Descer. Deve ser estranho viver comigo. É estranho pra mim.” (p.59)

“Esta é uma daquelas noites em que não há nada. Imagine se fosse sempre assim. Vazio. Apático. Sem luz. Sem dança. Nem mesmo insatisfação.” (p.60)

“Somos doentes, o peixe-piolho da esperança. Nossas roupas pobres, nossos carros velhos. Nos vemos em direção à miragem, nossas vidas são desperdiçadas, como as de todo mundo.” (p.72)

“Havia outros 20 ou 25 bancos vazios. Ele sentou no que estava ao meu lado. Não gosto tanto assim de pessoas. Quanto mais longe estou delas, melhor eu me sinto.” (p.74)

“Às vezes, não há nenhum aviso. As coisas acontecem em segundos. Tudo muda. Você está vivo. Você está morto. E as coisas continuam.” (p.82)

“Somos finos como papel. Existimos por acaso entre as porcentagens, temporariamente. E esta é a melhor e a pior parte, o fator temporal. E não há nada que se possa fazer sobre isso. Você pode sentar no topo de uma montanha e meditar por décadas e nada vai mudar. Você pode mudar a si mesmo para ser aceitável, mas talvez isso também esteja errado. Talvez pensemos demais. Sinta mais, pense menos.” (p.82)

“Quando estou sendo dilacerado pelas forças, olho para um ou vários dos meus gatos. É só olhar para um deles dormindo ou meio dormindo e relaxo.” (p.103)

“Provavelmente, escrevi mais e melhor nos últimos dois anos do que em qualquer época da minha vida. É como se, depois de cinco décadas fazendo isso, chegasse mais perto de realmente fazê-lo. Mesmo assim, nos dois últimos meses, comecei a sentir um certo cansaço. O cansaço é quase físico, mas também é um pouco espiritual. Pode ser que eu esteja pronto para entrar em decadência. É um pensamento horrível, é claro.” (p.107)

“Na estrada, liguei o rádio e, por sorte, tocava Mozart. A vida pode ser boa em certos momentos, mas, às vezes, isso depende de nós.” (p.127)

“É bom sentar aqui esta noite, neste quartinho no segundo andar, ouvindo o rádio, o velho corpo, a velha mente remendando. Aqui é o meu lugar, assim. Assim. Assim.” (p.141)

Título: O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio
Título original:
Captain is out to lunch and the sailors have taken the ship
Autor: Charles Bukowski
Tradutor: Bettina Becker
Editora: L&PM
Número de páginas: 160
Gênero: Literatura moderna internacional; Diários

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25maio

“Some people never go crazy.
What truly horrible lives they must lead.”

10 Lições de Charles Bukowski

  1. “Você tem que morrer algumas vezes antes de realmente viver.”

O fácil e o difícil da vida: viver. O ciclo cair, levantar, cair de novo e levantar de novo é constante. Uma hora tudo estará tudo bem e outra hora não estará mais. Sempre reforço o “tudo vai passar”. E passa mesmo. Nada dura pra sempre, nem a alegria, nem a tristeza. Para estarmos vivos, temos que morrer um pouquinho. Precisamos passar por coisas que nem sempre são agradáveis para realmente aprendermos a viver.

 

  1. “Nunca me senti só. Gosto de estar comigo mesmo. Sou a melhor forma de entretenimento que eu posso encontrar.”

É possível se sentir sozinho estando rodeado de gente e é possível estar só sem se sentir solitário. Buk apreciava a solidão, apreciava estar só, apreciava isolar-se nos momentos certos. O desespero para “estar com alguém” beira, de fato, a repugnância. Antes de tudo e todos, precisamos apreciar a nossa própria companhia. Afinal, somos nós mesmos que iremos aturar até o fim da vida.

 

  1. “Qualquer problema que você tiver comigo, é seu.”

Todinho seu, meu amor. Você fica preocupado com o que o outro diz ou pensa sobre você? A vida é tão curta pra isso, poxa, e Bukowski mostra o quanto ele tava ligando pra opinião alheia: um total de zero importância. Se não estamos devendo nada, então também não devemos nos importar com nada. Problemas, em grande parte, são passageiros e bobos, deixa pra lá.

 

  1. “Nunca espere demais, da sorte ou dos outros, no fim não há quem não decepcione você.”

Eu nunca acreditei em sorte, talvez, ligeiramente no azar. Esperar algo do outro é quase ter a certeza de que irá se frustrar. Ninguém tem que lidar com as nossas expectativas, por vezes, caprichos. Colocar todas as suas expectativas e frustrações em alguém não vai te trazer alegria, apenas decepção.

charles-bukowski-frases

  1. “‘Nunca vi ninguém aguentar a agulha com tanta frieza’. Ora, isso não é valentia. Se o sujeito aguenta, alguém cede. É um processo, um ajuste. Mas não existe maneira de se acostumar com a dor mental. Fico longe dela.”

A dor física é sempre superável. A gente aguenta, a gente se acostuma e pede pra bater mais forte. “A dor já faz parte do total”, citando Dead Fish. Já a dor mental, os incômodos, as crises, as agonias, esses dão trabalho. Mas quanto mais a gente leva, mais a gente caleja, seguimos. Se tem uma coisa que a vida me ensinou é que eu aguento o tranco, pelo menos até agora.

 

  1. “Se você vai tentar, vá até o fim, caso contrário, nem comece.”

Autoexplicativa, mas também cabe em outra frase dele: “Se você não jogar, jamais irá vencer”. Comece e termine, só assim a experiência poderá ter valido de alguma coisa. Não tem como viver de metades. Se for pra ser de qualquer jeito, é melhor ficar onde está.

 

  1. “A diferença entre a Arte e a Vida é que a Arte é mais suportável.”

A única coisa que eu consigo comentar sobre: amém.

 

  1. “As pessoas em geral são muito melhores por cartas que em carne e osso. Elas se parecem muito com os poetas.”

Sabe todas as suas expectativas em relação às pessoas? Jogue-as fora. Esqueça. Suas expectativas, provavelmente, não serão atendidas. Alguns tendem a ser mais corajosos – em diversos aspectos – no papel, eu mesma sempre achei só conseguia me expressar através das palavras. Olho no olho, a coisa muda de figura.

 

  1. “Bem, todos morrem um dia, é simples matemática. Nada de novo. A espera é que é um problema.”

A única certeza da vida e, mesmo assim, não estamos preparados para ela: a morte. Ela nunca é fácil, pelo menos não para a maioria. Nos pega de surpresa e nos arrebatada, porém é a lei da vida e não podemos paralisar diante de sua chegada, seja em qual circunstância for. É preciso estar vivo para morrer, sim, mas também sabemos que a respeito deste medo universal, só falar é fácil, não é?

 

  1. “O cinismo é a debilidade que evita que nos ajustemos ao que acontece no momento. O otimismo também é uma debilidade: ‘O sol brilha, os pássaros cantam, sorria.’ Isso é uma merda igual. A verdade está em algum ponto entre os dois. O que é, é. Se você não está disposto a suportar a verdade, dane-se!”.

“O que é, é.” E assim será, quem sabe, sempre. Buk nunca foi dos mais otimistas, invejo quem seja (ou não). O cinismo – como doutrina filosófica – despreza as convenções sociais e pega as vantagens de uma vida simples e natural, pregando o autocontrole e autonomias individuais. Depois dessa não falo mais.

Pessoas

Bônus pra quem ama gatos <3 “Ter um bando de gatos por perto é bom. Se você está se sentindo mal, é só você olhar para os gatos e vai se sentir melhor, porque eles sabem que tudo é, tal como é. Não há nada para ficar animado. Eles apenas sabem. Eles são salvadores. Quanto mais gatos você tem, mais tempo você vive. Se você tem uma centena de gatos, você vai viver dez vezes mais do que se você tem dez. Algum dia isso vai ser descoberto, e as pessoas terão mil gatos e viverão para sempre. É realmente ridículo.” Veja mais aqui no blog sobre: escritores e gatos.

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08jul

Em um poema publicado postumamente, Charles Bukowski (1920-1994) escreveu que teria tido êxito na vida “se vocês lerem isso muito tempo depois de eu morrer”. E, olha só, aqui estamos.

THE PEOPLE LOOK LIKE FLOWERS AT LAST

O Velho Safado era um grande escritor e um grande poeta, entre  livros de crônicas, memórias e romances de Charles Bukowski, eu sempre tive uma tendência maior a apreciar seus poemas. As Pessoas Parecem Flores Finalmente é o quinto (e último) volume póstumo do autor composto integralmente por poemas inéditos.

Sem muitas regras, as obras do velho Buk não demonstram demasiadas preocupações estruturais. Estilo livre, escrita imediatista e temas de caráter autobiográfico, como: prostitutas, sexo, alcoolismo, ressacas, corridas de cavalos, pessoas miseráveis e experiências escatológicas – um autor AME ou ODEIE, talvez. Eu amo e, volta e meia, sou surpreendida por ele.

Lombada Bukowski

Essa edição grandinha e gordinha (quase 300 páginas) é dividida em quatro partes introduzidas com alguns versos:

1- o coração ruge como um leão
diante do que nos fizeram

As composições da primeira parte versam sobre incidentes ocorridos antes de Bukowski começar a publicar mais prolificamente, na década de 1960. Destaque para os poemas: “pessoas como flores” (p. 25) e “o minuto” (p. 33 e foto abaixo).

O minuto

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