Primeira coluna de autores convidados, texto por Stephanie Roque
O rádio do carro demorou para sintonizar no programa que alerta os motoristas sobre o trânsito, e por isso, fiquei preso num congestionamento de volta pra casa. Fiquei tempo suficiente para contar as moedas que estavam guardadas no carro, separar as contas e ler um capítulo do livro que um rapaz do trabalho me emprestou.
Quando cheguei em casa, deparei-me com Rita sentada nas escadas, com fones de ouvido, lendo um livro. Ela já estava de pijamas, mas continuava linda. Seus cabelos estavam trançados e seus olhos castanhos-claros se ergueram ao me ver. Meus olhos, como resposta, quase suplicaram por um toque dela. Cheguei bem perto, e ao tirar-lhe os fones, minha barba roçou em sua pele quando meus lábios a tocaram.
“Olá”, eu disse.
Ela me abraçou com força, mas continuou sentada.
No momento em que entrei, Guillermo dormia dentro do berço. Com cuidado para não acordá-lo, tirei a gravata e os sapatos, e entrei no banheiro. Tomei um longo banho esperando que a água quente dissolvesse a tensão dos meus ombros. Pensei por alguns segundos na bela mulher que me dera seu número de telefone hoje, mas voltei a pensar nas papeladas da empresa. Em algum momento, Rita entrou no banheiro sem que eu visse e desenhou no espelho embaçado um sorriso.
Quando saí, vi que Guillermo já estava em seu quarto e que Rita me chamava do lado de fora. Perguntou-me como fora o dia de trabalho e me contara tudo o que fizera durante o seu. Chamou-me para entrar e disse que guardara o jantar para mim. E eu pude ver o quanto ela é a mulher mais linda do mundo, minha esposa e mãe do meu filho.
Conversamos durante o jantar e depois, enquanto eu lavava a louça, ela secava. Como numa imagem de cinema, pude notar que além do meu corpo, éramos felizes. Contudo, olhando para dentro de mim, eu não poderia – e nunca iria – amar somente Rita. E ela sabia disso.
No banheiro, enquanto ela escovava os dentes, eu aparava a barba. Enquanto eu escovava os dentes, ela tirava do frasquinho seus três anti-depressivos.
Ao nos deitarmos, ela me beijou por mais tempo que o habitual, disse o quanto me amava e entrelaçou suas mãos uma na outra, encolhendo-se debaixo do lençol. Naquele momento, vi o quanto Rita estava solitária. Beijei sua testa e me virei de costas, pensando em outras mulheres, e me culpando por não muito prestar.
Mas eu a amo.
Stephanie Roque