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24set

Réquiem para um Sonho, escrito por Hubert Selby Jr., sem dúvida, é uma das leituras mais intensas e desgraçadas que já fiz. Publicado originalmente em 1978, a edição relançada no Brasil é da Darkside Books e conta com tradução de Diego Gerlach. 

Sem moralismo nem romantização, a realidade crua e a possibilidade cruel. A narrativa desenfreada intensifica o desespero e simula um pico sem volta numa espiral de desesperança. Ciclo

s se apertam, sonhos morrem e tudo rui. O tipo de obra que te faz questionar suas próprias fragilidades e que me deixou mal por um bom tempo depois de ler.

O pesadelo da esperança

A trama segue quatro personagens principais: Sara Goldfarb, seu filho Harry Goldfarb, a namorada de Harry, Marion, e o seu melhor amigo Tyrone. Cada um deles busca algo que dê sentido às suas vidas — Sara sonha em participar de um programa de auditório, enquanto Harry, Marion e Tyrone veem na venda de heroína uma chance de melhorar de vida e alcançar seus sonhos. No entanto, todos acabam presos em um ciclo de destruição, cada vez mais consumidos por seus vícios e ilusões.

O que é mais forte nisso tudo é o contraste entre a esperança que carregam e a realidade áspera em que vivem. Eles acreditam, até o último momento, que estão a um passo de realizar seus sonhos. Mas quanto mais acreditam, mais próximos estão de sua ruína.

Narrativa caótica

Um dos aspectos que torna Réquiem para um Sonho único é o estilo de escrita de Selby. Não é uma leitura fácil. A narrativa entrelaça vozes, diálogos e pensamentos, sem pontuações convencionais, o que pode ser desconcertante no começo. A falta de travessões ou aspas para marcar diálogos, somada à fusão de diferentes pontos de vista, cria uma leitura densa e desafiadora. Logo você percebe que essa confusão reflete a desordem mental dos personagens. Tudo é caótico, sufocante, e isso só intensifica a imersão no desespero deles. A escrita é como um fluxo contínuo que faz você se sentir tão perdido quanto os protagonistas.

Vício e declínio

Outro ponto de destaque é a forma brutalmente honesta com que o autor trata o vício. Selby vai direto ao ponto, mostrando a realidade crua da dependência, tanto química quanto emocional. Ele explora como o vício afeta as decisões e a própria personalidade dos personagens, empurrando-os cada vez mais para o fundo do poço. É um processo de degradação gradual, até que não restar mais nada além do desalento. 

Todas as trajetórias são trágicas, mas considero a de Sara a mais sensível, ela busca a felicidade em uma solução ilusória: emagrecer para caber em um vestido antigo e participar de um programa de TV. Sua dependência crescente em anfetaminas, prescritas por um médico irresponsável, é uma representação dolorosa de como a sociedade medicaliza o sofrimento humano sem considerar as consequências. Sara é vítima de suas próprias esperanças, iludida por uma promessa de felicidade que nunca se concretiza.

A ruína dos sonhos

O título Réquiem para um Sonho é uma metáfora perfeita para o que o livro representa: uma despedida dos sonhos destruídos. “Réquiem” significa missa para os mortos e o “sonho”, ao qual se refere, é o “sonho americano” (american dream) – essa ideia de que, com trabalho duro, qualquer um pode alcançar sucesso e felicidade. Selby nos mostra o oposto. Os personagens do livro são pessoas comuns, cheias de aspirações simples, mas que acabam esmagadas por um sistema que as trai.

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