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13nov

– Por que você tem um colchão tão grande se sua cama está sempre tão vazia?

A pergunta caiu num baque em sua cabeça.
Ela parou para pensar em tudo que fazia.
Seria a cama uma metáfora de sua vida?
Sempre tão vazia e tão gelada.
Viu que não se importava.
Preferia assim.
Em meio a um furacão de memórias, lembrou-se dos dias em pranto.
Das épocas sem paz.
Das noites mal dormidas, das madrugadas em claro.
Dos apertos no peito e das fisgadas que pareciam fazer seu coração parar de bater.
Da imensa saudade.
Horas eternas, minutos soluçando.
Dia após dia.
Pensou nas milhares de vezes que acordou com os olhos inchados e nas tantas que desejou nunca mais poder levantar da cama.
Cada passo que deu, cada lágrima que enxugou, cada sorriso que desperdiçou, cada abraço que negou.
E o que um dia pareceu ser uma batalha interminável, terminou.
Viveu, aprendeu, passou .

Depois de longos minutos com a cabeça longe, olhou fixamente para aqueles belos olhos que a acompanhavam, e respondeu:

– É que eu me mexo muito durante a noite, sabe, prefiro dormir sozinha.

Ele engoliu seco e afastou as cobertas. Levantou, recolheu suas roupas que estavam no chão, saiu e fechou a porta, mas sem bater.
E nunca mais voltou.

Adriana Cecchi

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09nov

Coluna de autores convidados, texto por Marcela Oka

E aí você se pega com aquele sentimento… Saudade. E uma saudade inesperada, porque você nem tem tanta certeza do que você tem saudade.
Porque até então você tinha um padrão estabelecido que te deixava metodicamente confortável. Um padrão onde o que tinha acabado, ficava pra trás. Sem mágoas ou raiva, porque a data de validade desses sentimentos já tinha expirado. Então simplesmente ficava pra trás, guardado numa caixa dentro do depósito, como aquelas coisas que a gente não tem onde colocar quando muda pra casa nova, sabe?
A caixa estava no depósito, e eu estava de mudança, então fui até lá pra carregar as caixas pro carro. Deixo uma delas cair e então escapa uma lembrança, daquelas que não poderia ter escapado. Eu abaixo, tento colocar de volta na caixa, mas tarde demais: ela já tava impregnada em mim. Como eu me deixei fugir do meu próprio padrão? Você, você me fez fugir. Você apareceu outro dia querendo me entregar uma outra lembrança que também impregnou em você, mas você não podia lidar com ela, então você veio e devolveu pra mim. Eu guardei na caixa, porque afinal o que acaba fica pra trás…
Mas fato é que eu não me mudei. Fato é que eu levei a caixa pra cima e abri. Fato é que você me deixou com o que você não soube lidar e continua sem querer saber. ‘Melhor deixar lá, no depósito’, você diz. Eu já tomei banho no chuveiro, no mar, na cachoeira, na cândida, mas não sai. Não volta mais pra caixa.
Que você conseguiu arrancar de você e enfiar de volta na caixa, só pra não precisar lembrar; que você consegue não falar sobre isso e fingir que ‘estamos indo bem’, eu aceitei. Só queria a receita pra conseguir também. Você foi e acabou esquecendo de me passar.

Marcela Oka

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15out

Ela está lá para todos, mas só usa quem quiser.
Uma realidade paralela.
O mundo para de girar, a cabeça fica distante.
Passa por ruas, avenidas, casas, grandes jardins, prédios, comércios, carros, motos, praças, pontes, muros e concretos. Passa por casais de mãos dadas, crianças de uniforme, moradores de rua, homens de gravata e mulheres de vestido. Passa por semáforo, lixo, gente e bicho.
Quadro em movimento e tempo congelado, paradoxalmente no mesmo vidro.
Tudo fica em suspenso, ao menos por um momento.
Agonias, saudades, angústias, dores, aflições, dúvidas, amores não correspondidos, crises existenciais, arrependimentos, decisões importantes, problemas familiares, urgências, mágoas, preocupações com o trabalho, desejos, julgamentos, medos e anseios.
Qualquer coisa pode ser resolvida ou amenizada enquanto se olha através de uma janela de ônibus.
Os sentimentos passam na mesma velocidade que a paisagem de fora.
As lembranças se desfazem como poeira no asfalto.
A raiva é abafada pelo som do motor.
A impressão de que tudo volta pro lugar a cada esquina, a cada curva, a cada parada brusca.
Janela conselheira, divã de pobre, confessionário público.
A preço fixo, cobra pouco e diz muito, por isso sempre está cheia de clientes.

Adriana Cecchi

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