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25maio

Quem estiver a fim de encarar emoções à flor da pele, da angústia à destruição psicológica: Butcher Boy: Infância Sangrenta, do Patrick McCabe, publicado pela Darkside Books.

Já falei sobre The Butcher Boy no canal no primeiro vídeo de filmes para destruir o psicológico, cheguei a comentar sobre o livro que inspirou a adaptação e pedi socorro pras editoras — o livro tinha sido publicado no brasil com o título de Nó Na Garganta, mas estava esgotado há anos. Na época, consegui uma troca de sebo e li. BAQUE! Nunca trouxe conteúdo sobre porque ninguém teria como ler ou comprar porque não dava pra encontrar. Darkside Books resolveu isso pra gente!

Publicado originalmente em 1992, Butcher Boy: Infância Sangrenta é considerado um clássico moderno da literatura irlandesa. Um livro destemido, chocante, perturbador e estranhamente cômico — assim como o seu personagem central, nosso narrador, Francis “Francie” Brady. Um garoto de 12 anos de idade cujas ações são impulsionadas por vários fatores críticos: condição familiar, classe social, desesperança generalizada, período caótico de uma Irlanda no final dos anos 50/início da década de 60 e o impacto histórico desta pequena comunidade paranoica e relapsa em que o Francie vive.

“Quando eu era moleque uns vinte ou trinta ou quarenta anos atrás morava numa cidadezinha onde todo mundo tava atrás de mim pelo que eu tinha feito com a dona Nugent.”

No primeiro parágrafo do livro, a gente entende que Francie aprontou alguma coisa para tal da dona Nugent. E logo nesse início do livro percebe-se o conflito entre ela e o garoto, na verdade, com toda a família Nugent, já que o desalinho começa por conta do filho dela, o Phillip Nugent, que teve seus gibis roubados pelo Francie.

Mas vai ser no momento em que a Sra. Nugent se refere ao Francie como porco, pertencente a uma família de porcos, é o estalo na cabeça dele para encarnar essa figura pra ela. Do tipo: ah, vai me chamar assim? Então eu vou te mostrar como que é. O fato torna-se a origem de uma obsessão e é a partir disso que se constrói o arco-narrativo e fixação desse personagem enquanto um “monstro”.

De modo geral, Francie SEMPRE está aprontando ou armando alguma coisa com seu amigo Joe. Sabe aquelas narrações de filme de sessão da tarde essa duplinha do barulho fazendo travessuras e aprontando de montão? São eles. Porém o Francie cruza uma linha muito delicada e tênue da brincadeira e da prudência. O sentimento é parecido com o de uma pessoa que faz uma piada de muito mau gosto e ninguém ri, só ela.

A infância normalmente é relacionada a inocência, certo? Ao longo de sua jornada, Francie vai se despindo dessa nuance infantil — ele habita uma infância envolta em tragédia — cada vez mais transformando-se em uma “criatura” doentia e sem controle aos olhos dos demais. Francie é uma vítima de seu ambiente e também de sua desordem.

O que é um reflexo direto do contexto histórico em que o livro foi escrito e como as crianças e suas infâncias da época também eram caçadas pelos traumas que atingiram o momento político do país. Sempre reforço que toda arte ganha outro patamar quando analisada dentro do contexto político em que foi criada. Muito difícil algo ser gratuito, a toa, não ter motivo… A base é sempre a histórica.


Toda a desestruturação e desgraceira que dá sequência ao enredo do livro faz parte disso. Gostaria de ressaltar o posfácio desta edição Entre porcos, loucos e pervertidos: a Irlanda de Butcher Boy, escrito pelo pesquisador Luiz Gasparelli, que é uma verdadeira aula que pode até mudar a sua experiência de leitura. Irlanda rural, pobreza, igreja católica, alcoolismo e diversos outros pontos-chave da história, incluindo o peso da palavra porco — termo de extrema importância no livro e suas associações a partir disso.

Junto com esse cenário, existe também a problemática familiar do Francie: a mãe é depressiva, o pai é alcoólatra, um ambiente conflitivo, disfuncional e carente de amparo para todos os lados.

Muitas coisas que vão somando na caixinha disfunção geral e que pesam, ainda mais, na própria disfunção física e mental do Francie — isso com base em certos acontecimentos do livro que reforçam como ele cruza a linha do sensato, atravessa limites e é movido a impulsos. Todos os pontos que acentuam sua agressividade. 

Butcher Boy: Infância Sangrenta tem cenas bastante pesadas, um livro indigesto, violento, que salienta todos os traumas internos e sociais. Um retrato direto da vida de Francie através de seus pensamentos e seus atos. Quero aproveitar para comentar sobre essa excelente tradução da Laura Zúñiga, que trouxe a forma crua de Francie falar e pensar. Uma linguagem informal, imagino que tenha sido um desafio porque o texto é corrido, com pouca pontuação, emenda diálogo com a mente. Uma constante sem freio que evidencia esse misto de realidade, delírio e psicose do Francie.

De como todas as peças se movem na cabeça dele e como isso meio que é a forma que ele encontra pra sobreviver a essa desgraça toda. Jogado de um lado pro outro, o contato com abatedouro, o sentimento de abandono, os refúgios… Acompanhar isso tudo de perto proporciona diversas sensações. Ao buscar ajuda, Francie não encontra nada nem ninguém ao seu lado, a não ser a violência.

Adaptações de The Butcher Boy:

  • O romance foi transformado em peça teatral e recebeu o título Frank pig says hello encenado pela primeira vez em 1992. Fonte
  • Ganhou adaptação audiovisual em 1997, o filme título no Brasil Nó na Garganta (original: The Butcher Boy), dirigido por Neil Jordan. Infelizmente, o longa não está disponível em nenhuma plataforma de streaming até o momento deste post.

Triste, brutal, angustiante e desenfreado, Butcher Boy: Infância Sangrenta é carregado de um humor sombrio e violento, traz a sensação de um riso deformado, engasgado, preso dentro do Francie que está prestes a explodir a qualquer momento. Para pessoas que apreciam obras humanamente obscuras, fica a minha recomendação. Um livro que deixa uma marca no seu cérebro com toda certeza.

TÍTULO: Butcher Boy: Infância Sangrenta

SINOPSE: É um retrato panorâmico na história desse menino que acabou trabalhando no açougue abatendo porcos. O que seriam traquinagens e peças pregadas por crianças levadas aumentam o tom da falta de empatia quando executadas por Francis Brady.

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