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20ago

— Eu preciso me livrar de você.
— Mas você nunca me teve.
— Por isso mesmo.
— Isso o quê?
— É autoexplicativo.
— Você é complicada.
— Eu?
— Tá, e vai fazer o quê?
— Pensei em desovar seu corpo num lugar aqui perto.
— Legal, agora tô tranquilo.
— Pode ficar.
— Não quero que se livre de mim.
— Mas também não quer o contrário.
— Isso é verdade…
— Eu entendo. Eu sei como é.
— Eu sei que você sabe.
— Afinal, você, de algum jeito, consegue saber tudo sobre mim.
— Isso eu ainda não sei como.
— E depois vem dizer que eu sou a complicada.
— Eu sou complicado.
— Sim.
— Vai lá preparar um café pra gente, vai.
— Eu vou, mas no seu não vai ter açúcar.

Adriana Cecchi

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18ago

Meus dias nascem aos gritos
em horários diferentemente desconhecidos.
Um estalar de xícaras,
soluções, confissões
e noções argumentativas sobre a vida.
Uma cama por fazer
ao som de notícias espalhafatosas.
De fundo, um violino entristecido.
Roseiras destruídas por mãos finas,
mas não tão delicadas.
No meu modo,
sobreviver com café amargo,
cigarro e textos proibidos.
Tive pra mim a teoria sobre olhos fechados
desgraçados pela explosão de luzes
ao abrir qualquer janela
entre raios e cruzes.
Em cima da mesa
o jornal do avesso, meias escuras
e ligações perdidas.
Desço a rua para comprar pastilhas,
caminho sobre os restos de uma fábrica
de caráter duvidoso.
Num vão de porta,
sou atirada contra sacos de lixo.
Um homem de cavanhaque branco
e terno bem costurado
puxa uma faca brilhante
acertando em cheio
o meu coração cansado.

Adriana Cecchi

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14ago

Esta chuva de gelo
Esta chuva de arrepios
Há três quadras e meias daqui
Um apartamento
Quase vazio

Um corpo no tapete vermelho
Sangue na escuridão
Marcado com as pegadas
Do vento
Quase sombrio

De quem é este corpo
Apodrecendo afinal
Sorte estar há 5 centímetros
De uma faca que corta
Na medida exata

Adriana Cecchi

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