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27fev

Não me recordo de como aconteceu

Apareceu em minha frente

Roubou meu coração e entregou-me uma flor

Cheirava a mel e hortelã fresca

O ouvi dizer belas palavras

Lamentei por não saber respondê-las a altura

E ele fora embora

Pra longe com certeza ele fora

Sei disso tão bem quanto o cair da noite e a luz do luar

Impregnada ainda com o cheiro de sua flor, juro nada mais querer

A não ser cair em um longo e profundo sono

Adriana Cecchi

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09nov

Coluna de autores convidados, texto por Marcela Oka

E aí você se pega com aquele sentimento… Saudade. E uma saudade inesperada, porque você nem tem tanta certeza do que você tem saudade.
Porque até então você tinha um padrão estabelecido que te deixava metodicamente confortável. Um padrão onde o que tinha acabado, ficava pra trás. Sem mágoas ou raiva, porque a data de validade desses sentimentos já tinha expirado. Então simplesmente ficava pra trás, guardado numa caixa dentro do depósito, como aquelas coisas que a gente não tem onde colocar quando muda pra casa nova, sabe?
A caixa estava no depósito, e eu estava de mudança, então fui até lá pra carregar as caixas pro carro. Deixo uma delas cair e então escapa uma lembrança, daquelas que não poderia ter escapado. Eu abaixo, tento colocar de volta na caixa, mas tarde demais: ela já tava impregnada em mim. Como eu me deixei fugir do meu próprio padrão? Você, você me fez fugir. Você apareceu outro dia querendo me entregar uma outra lembrança que também impregnou em você, mas você não podia lidar com ela, então você veio e devolveu pra mim. Eu guardei na caixa, porque afinal o que acaba fica pra trás…
Mas fato é que eu não me mudei. Fato é que eu levei a caixa pra cima e abri. Fato é que você me deixou com o que você não soube lidar e continua sem querer saber. ‘Melhor deixar lá, no depósito’, você diz. Eu já tomei banho no chuveiro, no mar, na cachoeira, na cândida, mas não sai. Não volta mais pra caixa.
Que você conseguiu arrancar de você e enfiar de volta na caixa, só pra não precisar lembrar; que você consegue não falar sobre isso e fingir que ‘estamos indo bem’, eu aceitei. Só queria a receita pra conseguir também. Você foi e acabou esquecendo de me passar.

Marcela Oka

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02out

Ainda não me acostumei com essa intimidade transformada em diplomacia. Essa polidez. Essa educação. É como se eu nunca tivesse sentido um suspiro longo e profundo seu ao pé do meu ouvido.
Oi, como está?
Logo nós, que completávamos a fala um do outro, agora, não passamos da mera trivialidade.
E em casa, tudo bem?
Me sinto desconfortável. Chega a ser sufocante te conhecer tão bem.
Trabalhando muito?
A página foi virada para ambos, não há outra chance, não há outro meio.
Ouvi que vem uma frente fria na sexta.
A falta de espontaneidade pesa cruelmente em cada frase.
E aí, tem falado com Fulano?
Já bastamos um para o outro por horas, talvez até por dias.
“Risos” Ele sempre some mesmo.
Seu cheiro, que por vezes impregnou em meu suor, agora é só uma lembrança distante.
Você está diferente.
O verbo dói, mas o sujeito não sofre. Não mais.
Acho que você emagreceu, hein.
Você que já soube a medida exata de cada pedaço, cada parte, cada leve curva do meu corpo.
Você ainda tem meu número?
Perdemos o jeito com o nosso abraço. Não sei qual intensidade usar. Perdemos nossa alquimia.
Então tá, a gente vai se falando por aí.
O desconforto por já termos sido íntimos demais. Agora não sabemos como terminar uma conversa. Duelamos nosso adeus.
Tchau, se cuida.
E então, caminhamos em sentidos contrários.
Mais fácil assim.
Sem passos para nos prender.
Sem sentimentos para nos manter.
Sem mãos para nos tocar.
Sem olhares para nos dilacerar.
Seguimos.
Com dois nós na garganta.
Como dois estranhos.
Enfim.

Adriana Cecchi


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