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09maio

Canção de Ninar já chamava a minha atenção e sabia que a hora dele iria chegar e chegou: BAQUE! Escrito pela Leila Slimani, o livro foi vencedor do Prêmio Goncourt em 2016, consagrando Leila como a primeira autora de origem marroquina a vencer esse prêmio.

Publicado no Brasil pela Editora Planeta (selo Tusquets), a edição faz parte do Programa de Apoio à Publicação 2018 do Instituto Francês do Brasil e conta com tradução de Sandra M. Stroparo.

Inspirado em um caso real ocorrido em Nova York (2012) envolvendo a babá Yoselyn Ortega e uma família. Matéria completa (em francês). O romance ganhou uma adaptação cinematográfica em 2019: Chanson Douce (título original) foi dirigido por Lucie Borleteau.

Canção de Ninar é um livro que começa pelo seu fim. Desconstrói a ideia de haver um possível mistério e teorias mirabolantes. Ele não cria a expectativa da tragédia, porque ele já é uma tragédia anunciada com os dois pés enfiados no caos. Uma mãe volta pra casa e se vê num cenário de horror: seus filhos mortos e a babá que tentou tirar a própria vida depois do que fez.

“O bebê está morto”

Leila cria o maior impacto possível nas três primeiras páginas que compõem o primeiro capítulo. Você não espera que a história comece com crianças assassinadas sem nenhuma explicação, uma atrocidade cometida por alguém cujo trabalho seria justamente oferecer cuidado.

“O bebê está morto. Bastaram alguns segundos. O médico assegurou que ele não tinha sofrido. Estenderam-no em uma capa cinza e fecharam o zíper sobre o corpo desarticulado que boiava em meio aos brinquedos. A menina, por sua vez, ainda estava viva quando o socorro chegou. Resistiu como uma fera. Encontraram marcas de luta, pedaços de pele sob as unhas molinhas. Na ambulância que a transportava ao hospital ela estava agitada, tomada por convulsões. Com os olhos esbugalhados, parecia procurar o ar. Sua garganta estava cheia de sangue. Os pulmões estavam perfurados e a cabeça tinha batido com violência contra a cômoda azul.”

Primeiro parágrafo de Canção de Ninar (e também o mais pesado)

Sabemos o desfecho e é justamente isso que motiva a leitura e traz inquietude máxima para saber a jornada percorrida até esse lugar. Qual o caminho percorrido até esse ponto? Quem é essa babá? Quem são esses pais? Quem são essas crianças? Por que ela fez isso? Qual o objetivo da escritora nessa inversão? 

Após o nascimento de seu segundo filho, Myriam decide retornar ao mercado de trabalho. Ela não se sente mais como um indivíduo, quer ter sua liberdade e sua autonomia de volta, que para ela foram sugadas com a vida de dona de casa e maternidade. Paul, seu marido e pai das crianças, fica relutante no início, mas aceita a vontade da esposa. E aqui se abre um primeiro ponto de discussão sobre maternidade e a “função da mulher” na sociedade. Porque, no geral, nunca é uma questão para o homem ter que abrir mão do trabalho ou abandonar algo para cuidar dos filhos, da casa, enfim.

Apesar da relutância de Paul, o casal inicia uma seleção em busca da babá perfeita. Eles querem uma babá branca, que não seja imigrante e que não tenha filhos. Algo que entra em outro ponto de crítica importante já que Myriam tem origem africana e é uma imigrante na França, além de também ser uma mãe tentando retornar ao mercado de trabalho.

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