Sobre | Projetos | Contato




21jan

Meu coração tá dolorido
Tá moído, dividido
Meu coração tá esquecido

Meu coração não pulsa, não pula
Não ri nem chora
Meu coração não vai, não volta
Não fica nem implora.

Meu coração tá parado
Tá isolado, desamparado
Meu coração tá ensanguentado

– De que coração você está falando?
– Do meu, ué.
– E desde quando você tem?
– Desde que eu comprei. Inclusive, vou pedir pra trocar, esse não tá funcionando não.

Adriana Cecchi

Compartilhe:
18fev

Tenho pensado tanto em você
Que mal sei o que dizer
Até ouço seu cabelo crescer
E o seu suor escorrer

Sinto seu perfume no ar
Seu coração pulsar
Sua veia dilatar
Seu olhar paralisar

Vai, vai pra longe
Porque com isso a brotar
Vai, vai agora
Não há o que pensar

Mas não entendo o ditado
De que se meu coração
Tivesse quebrado
Eu estaria morto e enterrado

Adriana Cecchi

Compartilhe:
08out

Despertou no meio da noite, como de costume, com a boca seca.
Eram 03h17.
Tateou o criado-mudo na cabeceira à direita da cama, passou a mão pelo livro de centenas de páginas amareladas e capa de couro vinho que não conseguia terminar e encontrou o que buscava: água. Todos os dias deixava religiosamente um copo largo e comprido de água ao seu lado, como se precisasse disso para dormir com tranquilidade.
Sentou-se na cama, não enxergava um palmo a sua frente, mas não fazia questão de luz, aliás, só dormia se a escuridão fosse total. Deu três curtos goles, ainda estava gelada e foi o suficiente para matar sua sede.
Antes de deitar soltou os cabelos e fez um alto rabo de cavalo, gostava de dormir assim. Ajeitou e virou o lado do travesseiro, tem mania de fazer isso durante as noites, prefere que o lado que vai encostar a cabeça sempre esteja mais frio.
E deitou.
O relógio marcava 03h30, o que a fez lembrar-se das tantas histórias de terror que diziam que 3h33 da manhã é a hora em que os espíritos malignos se manifestam. “Bobagem” – pensou.
Alinhou o lençol com a colcha e a fina manta e cobriu-se até os ombros. Virou-se de frente para a parede, lado oposto ao que estava quando acordou.
Sabia que o sono não viria fácil. Nunca veio. Talvez nunca venha.
Mesmo acordada, continuava de olhos fechados. Estava cansada e tentava imaginar cenas para distrair a mente daquele momento insone.
Não demorou muito e percebeu que havia uma luz piscando em seu quarto. Abriu os olhos e pode ver uma luz bem leve aparecendo e desaparecendo na parede, refletindo no teto e por todo o ambiente.
“Mas de onde vem essa luz?” – perguntou-se.
Reparou na grande janela de madeira do outro lado do quarto e, entre as frestas, notou que a luz estava mais forte. Ela vinha de fora, só não sabia especificamente de onde nem como.
Mas precisava saber.
Moveu o trinco e correu bem devagar uma das partes da janela para não fazer barulho.
Na hora em que colocou a cabeça para fora, sentiu um golpe de vento gelado em sua direção, daqueles tão fortes que até assoviam.
Nenhuma luz piscava mais.
Ficou sem ar por alguns instantes e sentiu um arrepio na espinha. Correu a janela – dessa vez sem se preocupar com o barulho – e deitou-se rapidamente.
Antes que pudesse fechar os olhos, uma forte luz, agora, estava dentro de seu quarto.
Era azul. Azul bem claro. Claro e aterrorizantemente forte.
Apertou os olhos com força e balançou a cabeça, “Não pode ser real” – repetiu baixinho.
Não era apenas uma luz, parecia uma espécie de mancha azul, eram três delas.
Uma começou a se aproximar de sua cama. E um pedaço, como se fosse um braço, foi ao encontro de seu corpo.
Ela não sabia o que fazer. Mal acreditava que fosse verdade.
Seus olhos pretos agora estavam arregalados e opacos de medo.
Foi quando a mancha de luz azul encostou no meio de seu colo, que ela gritou desesperadamente, mas sua voz não saiu. Nada, estava muda.
O que parecia um braço entrou em seu peito numa velocidade inigualável. A mancha parecia procurar por algo dentro do corpo dela e depois de uma bruta estocada em seu coração, a garota se contorceu preferindo a morte comparada aquilo.
Sentiu seu órgão sendo retorcido, seus os olhos estavam virados e já não havia mais sinal de que fosse tentar gritar novamente.
E então a mancha encontrou o que queria e num golpe puxou seu braço para fora. Ela pensou que todas as suas tripas tinham ido junto, mas se enganou.
Com  os olhos mais acostumados com a claridade, viu com perfeição que a mancha tinha mesmo uma forma, um braço e uma mão com quatro longos dedos. Dedos estes seguravam uma pequena chave de ferro envelhecido cheia de arabescos, que por algum motivo estava em seu coração e fora arrancada de lá.
O que a pequena chave poderia abrir, talvez seja para sempre um grande mistério. Assim como não há como saber porque uma das manchas segurava uma ampulheta de madeira escura e areia brilhante feito ouro.
As manchas se uniram e o clarão dentro do quarto ficou ainda mais perturbador, até que se apagou por completo. Em silêncio.

07h00, o despertador tocou três vezes.

Ana levantou-se num pulo, suada e assustada.
Em meio àquela sensação horrível, não conseguia lembrar direito do pesadelo que teve, mas ia ligar para o trabalho e dizer que precisaria faltar hoje, pois não se sentia muito bem. Estava com uma estranha e muito forte dor no peito.

Adriana Cecchi

Compartilhe: