Quem estiver a fim de encarar emoções à flor da pele, da angústia à destruição psicológica: Butcher Boy: Infância Sangrenta, do Patrick McCabe, publicado pela Darkside Books.
Já falei sobre The Butcher Boy no canal no primeiro vídeo de filmes para destruir o psicológico, cheguei a comentar sobre o livro que inspirou a adaptação e pedi socorro pras editoras — o livro tinha sido publicado no brasil com o título de Nó Na Garganta, mas estava esgotado há anos. Na época, consegui uma troca de sebo e li. BAQUE! Nunca trouxe conteúdo sobre porque ninguém teria como ler ou comprar porque não dava pra encontrar. Darkside Books resolveu isso pra gente!
Publicado originalmente em 1992, Butcher Boy: Infância Sangrenta é considerado um clássico moderno da literatura irlandesa. Um livro destemido, chocante, perturbador e estranhamente cômico — assim como o seu personagem central, nosso narrador, Francis “Francie” Brady. Um garoto de 12 anos de idade cujas ações são impulsionadas por vários fatores críticos: condição familiar, classe social, desesperança generalizada, período caótico de uma Irlanda no final dos anos 50/início da década de 60 e o impacto histórico desta pequena comunidade paranoica e relapsa em que o Francie vive.
“Quando eu era moleque uns vinte ou trinta ou quarenta anos atrás morava numa cidadezinha onde todo mundo tava atrás de mim pelo que eu tinha feito com a dona Nugent.”
No primeiro parágrafo do livro, a gente entende que Francie aprontou alguma coisa para tal da dona Nugent. E logo nesse início do livro percebe-se o conflito entre ela e o garoto, na verdade, com toda a família Nugent, já que o desalinho começa por conta do filho dela, o Phillip Nugent, que teve seus gibis roubados pelo Francie.
Mas vai ser no momento em que a Sra. Nugent se refere ao Francie como porco, pertencente a uma família de porcos, é o estalo na cabeça dele para encarnar essa figura pra ela. Do tipo: ah, vai me chamar assim? Então eu vou te mostrar como que é. O fato torna-se a origem de uma obsessão e é a partir disso que se constrói o arco-narrativo e fixação desse personagem enquanto um “monstro”.
De modo geral, Francie SEMPRE está aprontando ou armando alguma coisa com seu amigo Joe. Sabe aquelas narrações de filme de sessão da tarde essa duplinha do barulho fazendo travessuras e aprontando de montão? São eles. Porém o Francie cruza uma linha muito delicada e tênue da brincadeira e da prudência. O sentimento é parecido com o de uma pessoa que faz uma piada de muito mau gosto e ninguém ri, só ela.
A infância normalmente é relacionada a inocência, certo? Ao longo de sua jornada, Francie vai se despindo dessa nuance infantil — ele habita uma infância envolta em tragédia — cada vez mais transformando-se em uma “criatura” doentia e sem controle aos olhos dos demais. Francie é uma vítima de seu ambiente e também de sua desordem.
O que é um reflexo direto do contexto histórico em que o livro foi escrito e como as crianças e suas infâncias da época também eram caçadas pelos traumas que atingiram o momento político do país. Sempre reforço que toda arte ganha outro patamar quando analisada dentro do contexto político em que foi criada. Muito difícil algo ser gratuito, a toa, não ter motivo… A base é sempre a histórica.